Olho para ti, para mim e não sei quem és. Todos os dias estás lá onde está o espelho mas nunca deixo de me perguntar: “Este serei mesmo eu?”.
Não que não saiba quem eu seja e quem tu sejas e que ambos somos o mesmo. Mas porque raramente me encontro comigo. Estou mais habituado a olhar para “fora” e ver os outros como eles são ou pelo menos como os meus olhos os retratam. A saber qual o aspecto que têm quando me cruzo por eles. E quando falo em aspecto falo no geral e no particular. Sei qual a indumentária que usam e afiguro qual o tamanho que gastam em sapatos, sapatilhas ou sandálias. Mesmo não conhecendo a pessoa, vejo-a no seu todo. Sei a cor dos seus olhos e o formato que a boca faz quanto sorri, assobia ou mastiga. Vejo as cicatrizes provocadas por lesões passadas e as outras provocadas pelas pancadas do tempo.
Já no meu caso não faço lá uma grande ideia acerca do aspecto que possuo. Quer dizer, sei mais ou menos como sou, mas nunca me consigo ver na totalidade e para tudo o que estiver acima dos ombros não tenho noção do particular. Nunca hei-de conseguir ver a minha cara sem o recurso a um espelho ou de um vidro que reflicta a minha imagem. Quando ando observo o meu corpo a balançar como um navio no meio de uma tempestade aérea e sinto a cabeça por cima dos ombros a equilibra-se de um desembaraço físico. Mas nunca “me” vejo. É algo que só consigo com a ajuda de um “refléctil”. Imagino o espanto que provocou, quando o homem se viu pela primeira vez reflectido. Queira o destino que tenha sido uma mulher, que por norma gostam mais de se ver reflectidas e de preferência que tenha sido bonita.
Quanto tempo, no total, passo em frente ao espelho durante o dia? Talvez 15, 20 minutos no máximo. E quando estou lá, fica a dúvida do que está para lá. Como se um “eu” desconhecido me aparecesse como que por magia na casa de banho, por cima do bidé. Alguém entrou na minha casa e esqueceram-se de nos apresentar. Já agora, não sei se já reparou mas tem uma verruga medonha junto ao seu ouvido esquerdo. Aí mesmo…
Como sou quando sorrio? Quando choro? E quando algo me dói? E quando tenho um orgasmo? Farei carretas ou será algo agradável de se ver? Tenho que por um espelho junto a cama e não me esquecer de olhar para lá quando os músculos se contraírem. Aliás o ideal seria adaptar um espelho numa espécie de chapéu e andar com aquilo o dia todo. Só para ver como sou às diferentes situações do dia-a-dia. Para “nos” conhecermos melhor e para me habituar a ideia que eu sou tu e tu és eu.
A medida que o tempo se esgota menos me reconheço com o meu “eu” reflectido. São rugas e cabelos brancos que aparecem sem que eu tenha direito de opção ou poder de reclamação. Olheiras, sinais e sei lá que mais... Isso não estava aí ontem a noite, pois não?
Gostava de saber o meu aspecto daqui por 20 anos.
Será que ainda serei eu? Ou será que serei outro?